Sunday, March 05, 2006

As folhas nem sempre caem.

Somente a ponta do meu nariz tocava o vidro da janela. A cidade lá em baixo lentamente sumia perdida em minha respiração. Meu olhar, lânguido, acompanhava o leve embalar das folhas que se lançavam ao ar em um rodopio sem fim. Entusiasmadas bailarinas buscando o solo. Trêmula, uma delas soltou-se da árvore, mas não caiu. Por instantes acompanhei aquele võo bêbado. Meus olhos, que se divertiam comigo, revelaram-me as asas que pareciam não se entender. A inconstante mancha amarela subia em minha direção. Voou leve até meu rosto e pousou, fazendo-me por reflexo afastar o nariz do vidro. Era como se não houvesse ali janela alguma. As asas, agora mansas, exibiam-se para mim,. ostentando o que parecia um delicado desenho a mão. Levei o dedo vagarosamente até a janela e imaginei-a pousada nele. Deslizei cuidadosamente a janela e, com a respiração presa, coloquei a mão para fora. O vento frio alisava-me os dedos enquanto eu os aproximava dela. Levantara as asas, ingenuamente escondendo-se de mim. Um sorriso suave brotou em meu rosto, delicado cortejo entre dois estranhos. A eternidade se passou sem que nada fizéssemos, a não ser estar ali nos conhecendo. Ela então abriu timidamente as asas por duas vezes. Como um adolescente que tem o pedido aceito e, ao qual nada mais resta que estender a mão àquela que será sua companheira durante toda a música, toquei-lhe suavemente a asa. Voou. As lindas manchas amarelas pintavam meus olhos e a afastavam, deixando meu gesto se desmanchar aos poucos, abandonando-me com a cidade e as folhas que continuavam a cair.